data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Renan Mattos (Diário)
Nesse um ano de pandemia, o mundo aprendeu a conviver com palavras como isolamento, intubação, respirador e luto. Março foi um dos mais tristes para o Brasil inteiro. Em Santa Maria, em um mês, o número de óbitos superou as marcas de um ano de pandemia. Muitos ainda lutam para se recuperar e precisam de amor e cuidado para recomeçar. E, nesta caminhada, todos nós precisamos persistir e fazer a nossa parte.
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Segundo a psicóloga e especialista em psicanálise Girlyannie Paz Morais Boniatti, experiências de quase-morte produzem mudanças positivas nas crenças, nas atitudes e nos valores do ser humano. Ela diz que o recomeço deve ser leve e gradual, como um reaprender de funções que , antes, eram feitas no automático.
- Falar sobre a experiência é imprescindível. A terapia, ou seja, a escuta diferenciada, proporciona ao paciente encontrar novos meios para lidar com os problemas. Neste processo, é fundamental ter esperança de dias melhores, como os encontros de família em datas comemorativas, sem medo de infecção. O apoio familiar nesse processo conta muito - afirma.
Conforme a psicóloga Giselma Melo, o recomeço após uma situação traumática requer vários cuidados, entre eles, a atenção com a saúde mental. Pessoas que ficaram internadas, muitas vezes inconscientes, precisam preencher a lacuna de tempo e de informações que ficou aberta e, a partir disso, dar novo sentido à vida:
- Para seguir em frente, é importante lembrar onde a pessoa estava, como era a sua vida e como se sentia antes desse acontecimento. É válido perguntar, tentar saber tudo o que ocorreu no período de tratamento da doença.
Só o fato de viver em um mundo pandêmico já pode gerar muita ansiedade. Pequenas ações como ir à rua, ao mercado ou à farmácia se tornaram empreitadas corajosas tanto para quem deseja continuar na normalidade quanto para aqueles que não têm alternativa a não ser enfrentar a realidade. No entanto, ainda segundo Giselma, nem todos estão isentos do medo, principalmente quem já foi infectado e temeu pela própria vida.
- Este medo pode ser uma resposta natural, porém, não pode ser levado como uma reação de paralisação e reclusão. É importante se dedicar às atividades que gosta de fazer, se propor a aprender algo diferente, corrigir rumos e escrever uma nova história - recomenda.
RENASCIMENTO
Pastor da Igreja Batista Nacional, Levi Oliveira, 49 anos, lembra que essa Páscoa não é diferente da primeira, nos dias de Moisés, conforme o relato bíblico:
- Eram tempos de perdas, pragas e sofrimento. A morte batia à porta até que a libertação chegou. Nesta Páscoa, em plena pandemia, é importante analisar a si mesmo e procurar não perder as forças emocionais e espirituais diante da doença física. Nem sempre é fácil, mas todo esforço faz diferença.
Para Oliveira, a pandemia que modificou a Páscoa de 2020 não duraria tanto. Mas como a doença não só perdurou como se intensificou, ele pede que todos valorizem os momentos em família.
- Assim como eu, muitos receberam uma nova chance depois da Covid-19. Não podemos desperdiçá-la de forma alguma. Quem está curado ou se recuperando, agora, tem oportunidade de manifestar gratidão e força aos outros - reforça ele.
Para o padre Ênio José Rigo, o vazio deixado pela ausência de entes queridos ceifados pela Covid-19 encontra alento e sentido na Páscoa de Cristo. Conforme ele, dezenas de pessoas passam diariamente na Catedral Metropolitana de Santa Maria, onde é pároco, para rezar a sós ou para dividir o sofrimento com os agentes da Pastoral da Escuta:
- Entre lágrimas, elas falam das perdas e dos ambientes que ficaram vazios. Mas há esperança. Quem encontra refúgio em Deus celebrará a Páscoa cristã não somente com tristeza e desesperança, mas com o amparo da fé e à luz da ressurreição. O amor de Deus, neste momento, aproxima-se das fragilidades humanas para que todos saibam que não estão sozinhos.
Segundo o pastor da Igreja Luterana, Reinoldo Gluck Neumann, a Páscoa em si já fala em superação.
- Para o cristianismo, a data significa a vitória sobre a morte terrena. Nesta data, comemoramos a força da vida, a superação das mazelas, a esperança que se sobrepõe a todos os males, entre eles, a Covid-19. A morte não é o fim do caminho, mas a entrada em uma fase diferente, no mundo espiritual - explica.
TRATAMENTO
Há quatro anos, a fisioterapeuta Janaína Peixoto da Rosa, 34 anos, atua no Hospital Casa de Saúde e da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e, desde o início da pandemia, em 2020, atende pacientes da ala Covid das duas unidades. Como faz o tratamento durante e após a pessoa ter contraído a doença, ela, que já defendia a atenção humanizada, aprendeu a dar ainda mais atenção às emoções de quem passa por essa experiência.
- Mesmo com tanto desespero no dia a dia do hospital, tenho acompanhado histórias de superação. Como profissionais de saúde, não podemos viver isso sem tirar dele um aprendizado de vida.
Janaína comenta que a evolução da doença é muito mais rápida agora. E, para dar conta da missão, ela busca esperança na fé e no amor ao que faz:
- Um ano depois, a sensação de impotência aumentou, sabe? A gente faz o melhor que pode, supera os próprios limites e, mesmo assim, nem tudo ocorre como gostaríamos. Por isso, antes da intubação, pergunto a eles o que desejam, deixo que falem, pego na mão e entrego recados. A pandemia já era triste no início, mas, com o tempo, fica muito mais difícil.
Em 2019, Janaína ficou 21 dias em estado grave na UTI devido a uma embolia pulmonar. Ela também já contraiu Covid e, diante da experiência profissional e pessoal, ela procura, também, ser uma escuta amiga:
Antes de serem intubadas, as pessoas não falam em perdão, ressentimentos ou dívidas. Elas repetem: "se eu não voltar, diga aos meus familiares que os amo". Essa é a maior lição dessa Páscoa. Não espere uma doença para dizer que ama.
AOS PACIENTES
"Vamos precisar de muita paciência". São as palavras de Janaína aos pacientes em recuperação. Alguns, devido às sequelas da Covid, têm dificuldade em realizar ações que eram simples, como respirar, caminhar ou pentear o cabelo. E, quando demoram a voltar ao normal, ficam muito mais ansiosos:
- Não perca a esperança nem faça comparações. Cada ser humano tem o próprio limite. Não temos noção do poder da nossa respiração. Seja fiel às prescrições e atento ao processo de recuperação pulmonar e das demais funções metabólicas. Você que está saudável, cuide do pulmão. Não se exponha à fumaça, por exemplo, que tem grande efeito tóxico.
Infectado e entubado mesmo sem comorbidades, o enfermeiro Ronaldo Moreira ressalta que o coronavírus é oportunista:
- A questão imunológica é essencial. Se você tiver contato com a Covid-19 com imunidade baixa, as chances de ter os sintomas agravados é maior. Hoje, vejo o meu trabalho no hospital de outra forma. Agora, sei muito mais sobre uma pessoa infectada. Que eu possa ajudá-los, ainda mais, quando voltar - conclui.